sexta-feira, 24 de novembro de 2017

A JANELA DO ADEUS

O  número 286  da  Rua  Venâncio Neiva, aqui no centro da cidade de Campina  Grande,  é  um  endereço  muito  conhecido.

Cruzando aqueles umbrais, muitas  pessoas,  célebres  ou anônimas,  contribuíram  para  a  composição  de  sua  fecunda  história.

Foi lá que funcionou durante “séculos”  ( isso mesmo,  pois ali  o tempo  passava  em  outro  ritmo ),  o Salão Borborema .

E durante  esses  “séculos”,  contados  no  mesmo  ritmo,  pude  vivenciar  o  ir  e  vir  das  pessoas  que  para  lá  fluíam,  pois  a  minha  janela  fica  no  lado  oposto  dessa  rua.

A  partir  dos  seus  ilustres  “inquilinos”,   como  Ivanildos,  Carecas,  Audísios,  sobrevindo-lhes  gerações  com  Luíses  e  Melquíades ,  sem  esquecer  as  contribuições  das  Donas  Zefinhas,  todos,  invariavelmente,  participaram  da  construção  do  seu  enredo .

Surpreendeu-me,  porém,  semanas  atrás,  ao  correr-lhe  a  vista ,  notar   aquelas  portas  fechadas,  já  por  volta  das  nove  da  manhã .  Confesso  que  aquilo  inquietou-me.  O  que  acontecera,  afinal ?   Procurei  saber  pelas  pessoas  da  vizinhança  e  fui  informado  sobre  o  fechamento  do  salão.  As  notícias,  até  hoje  não  confirmadas,  eram  de  que  o  proprietário  havia  pedido  a  desocupação  do  “ponto” .

Com  efeito,  o  Salão  Borborema  mudou  de  endereço  e  as   suas  portas,  aqui  na  Venâncio  Neiva,  286,  continuam  fechadas .  Isso  me  entristece  a  cada  vez  que  olho  para lá .

Hoje,  aqui  chegando,  resolvi   assumir  essa perda.  Continuarei  a  ver  aquelas  portas  e  o  seu  imutável  endereço  mas  já  não  quero  mais  associar-lhes  ao  saudoso  Salão  Borborema.  Quero  ter-lhe,  sim,  as  melhores  lembranças  e  acenar-lhe  com  o  meu  adeus . 


Quero,  daqui,  achar-me  na  figura  emblemática  de  Bartolomeu  Sozinho,  personagem  de  um  dos  romances  do  escritor Mia  Couto,  para  quem  se  perguntava  “de  que  vale  estar  à  janela  se  não  é  para  dizer  adeus?”.