O número 286 da
Rua Venâncio Neiva, aqui no
centro da cidade de Campina Grande, é um endereço muito conhecido.
Cruzando aqueles umbrais, muitas pessoas, célebres ou anônimas, contribuíram para a composição de sua fecunda história.
Foi lá que funcionou durante “séculos” ( isso mesmo, pois ali
o tempo passava em outro ritmo ), o Salão Borborema .
E durante
esses “séculos”, contados
no mesmo ritmo,
pude vivenciar o
ir e vir
das pessoas que
para lá fluíam,
pois a minha
janela fica no
lado oposto dessa
rua.
A partir dos
seus ilustres “inquilinos”,
como Ivanildos,
Carecas, Audísios, sobrevindo-lhes gerações
com Luíses e
Melquíades , sem esquecer
as contribuições das
Donas Zefinhas, todos,
invariavelmente,
participaram da construção
do seu enredo .
Surpreendeu-me,
porém, semanas atrás,
ao correr-lhe a vista
, notar aquelas portas
fechadas, já por
volta das nove
da manhã . Confesso
que aquilo inquietou-me.
O que acontecera,
afinal ? Procurei saber pelas
pessoas
da vizinhança e
fui informado sobre
o fechamento do
salão. As notícias,
até hoje não
confirmadas, eram de
que o proprietário
havia pedido a
desocupação do “ponto” .
Com
efeito, o Salão
Borborema mudou de
endereço e as suas portas, aqui
na Venâncio Neiva,
286, continuam fechadas . Isso
me entristece a
cada vez que
olho para lá .
Hoje,
aqui chegando, resolvi
assumir essa perda. Continuarei
a ver aquelas
portas e o
seu imutável endereço
mas já não
quero mais associar-lhes
ao saudoso Salão
Borborema. Quero ter-lhe,
sim, as melhores
lembranças e acenar-lhe
com o meu
adeus .
Quero, daqui, achar-me
na figura emblemática
de Bartolomeu Sozinho,
personagem de um dos romances
do escritor Mia Couto,
para quem se
perguntava “de que
vale estar à
janela se não
é para dizer
adeus?”.